evig: (ensaio)
2021-07-31 04:53 pm
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O ESCRITOR EM TRÊS CONTOS DE RUBEM FONSECA

 

Rubem Fonseca nasceu em 1925 em Juiz de Fora, mas viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro. Publicou seu primeiro livro em 1963, uma coletânea de contos chamada Os prisioneiros e desde então vem publicando contos e romances.

Sua obra tematiza a violência por meio de descrições gráficas, cruas e impactantes; Alfredo Bosi chama esse tipo de literatura de “brutalista” e Antônio Cândido de “realismo feroz”. Por tratar de crimes e ter como protagonistas personagens da esfera marginal da sociedade (miseráveis, prostitutas, criminosos, corruptos), suas tramas podem ser consideradas noir ou policiais. Embora a história noir e a policial tenham muitos pontos de confluência, costuma-se distingui-las: a hard-boiled que “retrata a população das metrópoles, seus gângsteres e suas mulheres sedutoras, sua polícia e seus políticos corruptos” (JEHAD), e em sua trama ainda há um crime a ser desvendado; enquanto no noir “o protagonista geralmente não é um detetive; ao contrário, é quase sempre uma vítima, um suspeito ou um criminoso.” (JEHAD). Rubem Fonseca segue mais a tradição americana de histórias hard-boiled, mas acaba articulando essas duas vertentes em sua obra.

evig: (ensaio)
2021-07-04 04:10 pm
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A vida, as ideias e a música em os Moedeiros Falsos e em Contraponto

“A vida nos escapa; e talvez, sem vida, nada mais valha a pena.”

Virginia Woolf


O que é a vida? A depender do interlocutor da pergunta, recebem-se respostas diversas, desde respostas vindas das inúmeras áreas do conhecimento, até opiniões subjetivas salpicadas de lugar comum. Para a classe artística, “o que é a vida” tem um sentido urgente. A busca pela vida, não é apenas por seu significado, seus grandes temas, e talvez, sua hipotética universalidade. Um artista busca a vida em sua forma, em seus detalhes, em sua especificidade. O início do século XX trouxe uma promessa de vida arruinada pela Grande Guerra. As vanguardas tiveram que ser repensadas depois dos horrores das trincheiras. Formas de comunicação em massa e o surgimento da indústria do entretenimento mudaram a relação das pessoas com o tempo, com a experiência, com a vida. Os escritores que pensavam seriamente a literatura se perguntavam como narrar a vida, essa vida dos anos de 1910, 1920 - loucos, contraditórios e intensos. 

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evig: (ensaio)
2021-05-26 07:01 pm
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Gregório de Matos e o Barroco Brasileiro

 

Trabalhar com a obra de Gregório de Matos nos faz esbarrar a todo momento com a problemática da autoria e a tradição literária. De fato, não houve registros manuscritos sobreviventes de seus poemas e o que temos são códices reunidos sob seu nome numa duvidosa seleção. A tradição literária tentou separar o que seria de fato de autoria do poeta e o que seria de seus contemporâneos, associados à sua obra por diversos motivos. O que críticos como João Adolfo Hansen apontam é que, sendo o material vasto em quantidade e em diversidade temática e formal, é uma tarefa que está fadada ao fracasso tentar separar o que seria de autoria de Gregório de Matos, já que não existe um texto parâmetro e o critério de qualidade é por demais subjetivo. 


O que se sabe da pessoa histórica de Gregório de Matos já corrobora para que a obra de sua suposta autoria fosse diversificada. Feitos seus estudos em Coimbra, onde o poeta tomou conhecimento da poesia europeia do período, ao voltar para o Brasil viajou pelo recôncavo baiano e assimilou em seus poemas a oralidade, os temas e as formas populares dos jograis. Como se vê nos códices que reúnem seus poemas, há de sonetos à glosas, da poesia lírica à pornográfica, temas religiosos e maledicência a todos os estratos sociais, inclusive o clero. Além disso, era comum o poeta do período utilizar versos ou até mesmo estrofes de outro poeta, indicando filiação e seu bom gosto. Não há o conceito de plágio. E ainda deve se lembrar que essa poesia é oral e, portanto, “(...) eram, muitas vezes, transcritos em folhas avulsas; outras, memorizados, sendo copiados em novas folhas ou reproduzidos na oralidade, produzindo-se variantes transcritas, por sua vez, em outras folhas avulsas ou novamente reproduzidas por novos agentes na oralidade.”  (HANSEN p. 40)

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evig: (ensaio)
2019-01-04 06:29 pm
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Black Mirror: Bandersnatch, de David Slade (com spoilers)

Eu não sou fã de visual novels, e li apenas um livro-jogo bem ruinzinho. A lógica de procurar um final feliz me incomoda, e eu até tenho nas minhas notas de coisas para “tentar escrever antes de morrer” um livro-jogo em que o crescimento emocional do protagonista é mais importante que as peripécias ou o final (seria uma espécie de romance de formação para adolescentes). Black Mirror: Bandersnatch é muito mais interessante porque amarra a noção de livre-arbítrio no tema e na forma. O final feliz aqui não importa, na verdade, nem o “melhor” final importa tanto. Jonathan Tadeu disse num tweet que o filme nos dá a impressão de que comandamos o filme, mas é ele quem nos comanda e eu tive exatamente essa impressão junto com uma outra que vou expor mais pra frente.
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evig: (chifres)
2018-07-21 03:03 pm
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A série The End of the F***ing World e a (minha) adolescência [sem spoilers]

Eu pensei em começar esse texto mais ou menos assim: The End of the F***ing World tipifica, em dois personagens, sentimentos que todo adolescente sente.

Mas aí eu lembrei que nem todo adolescente era deslocado ou queria dar um soco nos pais, explodir a escola, fugir, tacar o celular no chão. Então eu pensei em começar assim: The End of the F***ing World tipifica, em dois personagens, sentimentos que a maioria dos adolescentes, os deslocados, sentem; embora a adolescência possa ser definida como um sentimento constante de errância. Mas eu esbarro sempre na minha experiência. Até pouco tempo, eu achava que isso que eu acabei de dizer era verdade absoluta, que todo mundo que passou por essa fase se sentia mal, errado, irritante e deprimido. Foi só sair um pouco da minha bolha pra perceber que as pessoas não estavam fingindo que estavam confortáveis em seus papéis. Então hoje eu preciso aceitar que , talvez, a maioria dos adolescentes consiga passar por essa fase confortáveis, se divertindo em irem contra os pais que nãos os entendem.

Então eu preciso reformular o inicio do texto sobre a série: The End of the F***ing World tipifica, em dois personagens, sentimentos que os deslocados sentem por toda a adolescência. Porque é isso, James é o esquisito que acha que é psicopata e quer matar pessoas (quem nunca pensou nisso?!) e Alyssa é a que sente raiva por tudo e tem uma incrível consciência da vida medíocre que a espera (novamente, quem nunca pensou nisso?!).
Primeiro, quero esclarecer que a série resolve essa possível psicopatia de James, o que me aliviou pra caralho, já que a premissa “psicopata que se apaixona” é ridícula. Eles não sentem empatia, portanto, não podem se apaixonar. O que as ficções sobre isso fazem é dar uma super força a um sentimento que nesses casos são tudo, menos amor. Mas não vou dar spoilers.

Alyssa é a força motriz da dupla e é quem toma a maioria das decisões. Adoro o prazer que ela tem em humilhar todo mundo só pelo prazer de ser a esquisita e dizer o que pensa. Claro que depois ela se arrepende porque magoou as pessoas, mas ela tem 17 anos, então esse sadismo juvenil é mesclado com a romantização que ela faz do pai ausente. Acho esse arco maravilhoso porque todo mundo tem um momento na vida que percebe que seus pais (um deles, ou os dois) são pessoas cheias de defeitos e que possivelmente foderam com o psicológico de seus filhos. Aliás, isso vale para o James, mas o caso dele é bem mais complicado… não quero dar spoilers.

Mas essa consciência dos defeitos dos adultos/pais não impede que eles vejam que de alguma forma, eles tentaram, falharam, mas tentaram.
O que mais me toca é que eles conseguem conforto um com o outro, nem tanto pelo romance, mas pelo apoio e empatia.

A série foi baseada na HQ de Charles S. Forsman que não saiu no Brasil.
A trilha sonora também é legal. E eu gosto do final, não quero uma segunda temporada.
evig: (07 - corvo)
2017-07-27 05:16 pm
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Sexo e estrutura narrativa de romances juvenis em Garotos Malditos, de Santiago Nazarian

Acabei de terminar Garotos Malditos então essas impressões que vou escrever serão mais superficiais.

Por se tratar de um livro juvenil, tem uma leveza, e principalmente, agilidade na escrita. É narrado em primeira pessoa, distribuídos em 250 páginas com uma diagramação bem espaçada e com ilustrações no início de cada capítulo. O único ponto, em se tratando da escrita, que me incomoda um pouco nesta obra é o uso do pretérito-mais-que-perfeito, corretíssimo, correto demais para um garoto de 16 anos. Mas como isso aconteceu duas ou três vezes e estava na mesma frase que tinham gírias ou até mesmo palavrões, ainda pode-se passar por uma linguagem natural de garoto que teve uma boa educação (num colégio religioso, inclusive).

Não vou me ater ao plot. Mas duas coisas me chamaram atenção e eu fiquei muito feliz de encontrá-las num livro para jovens: sexualidade e elementos de estrutura narrativa típicas de romances de fantasia/mistério sendo discutidas muito sutilmente, numa camada mais submersa da história contada por Ludo (que é onde eu enxergo o autor).
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evig: (04 - banco)
2017-04-19 10:11 am
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Os Filhos de Anansi, de Neil Gaiman

Li algumas obras de Gaimam, tanto em prosa quanto em HQ e ao ler os Filhos de Anansi, fiquei com a sensação de que este livro fora escrito por um escritor novato. Até então, nenhuma obra de Gaiman me suscitou tanto desgosto. A Verdade é Caverna nas Montanhas Negras tem um problema de verossimilhança no ponto crucial da história, o nó da trama, mas apesar disso, é uma ótima história e tem seu charme na forma mista de livro ilustrado e história em quadrinhos. Os Filhos de Anansi não tem um problema estrutural propriamente. Mas há uma série de metáforas que se anulam (por exemplo: “Fulano estava tal como Sicrando quando não estava fazendo tal coisa.”); personagens que são caricatos; o limão que não tem função alguma dentro da narrativa; o relacionamento entre o protagonista e sua noiva ser oportunamente mediocre, então quando o seu irmão aparece e fode tudo, não é um grande problema, já que eles nem se amavam mesmo...

A história gira em torno de Charles, que tem uma vida mediana e descobre que seu pai, com quem não tem uma boa relação devido a diversas humilhações sofridas na infância, morreu. Ele viaja para sua cidade natal e descobre por uma das vizinhas que tem um irmão e se ele quiser, pode chamá-lo. Sem acreditar muito no método descrito pela velha, Fat Charles (como é chamado) não só recebe a visita de seu irmão, como não consegue mais se livrar dele. Spider é o tipo de personagem que me irrita do início ao fim. Sendo um semi-deus, sua vida é fácil e muito boa, faz o que quer, manipula as pessoas e não tem problemas de consciência nenhuma, sendo o extremo oposto de Charles.
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evig: (15 - leitura)
2017-03-29 01:46 pm
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O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë

Eu iniciei a leitura deste livro em 2012 ou 2013 e parei no capítulo XII devido às circunstâncias externas das quais eu não me lembro. Reli recentemente e integralmente.
Essa edição que tenho é a que a Leya (pelo selo Lua de Papel) lançou em 2009 devido à relação que os personagens de Crepúsculo têm com a obra. Dito isso, a capa, a orelha e a sinopse trabalham em função dessa relação, com o subtítulo O amor nunca morre! e o catálogo sistemático categorizando a obra como literatura juvenil. Eu comecei a ler O Morro do Ventos Uivantes por indicação e esta era a edição que veio parar aqui em casa... mas eu sabia antecipadamente sobre o plot e que a obra faz parte do cânone literário, e por isso, não pode ser apenas “uma surpreendente história de amor”, como esta edição faz crer. Não estou querendo dizer que uma história de amor não possa constar num cânone literário. Romeu e Julieta é canônico. Mas a história de Cathy e Hearthcliff tem mais implicações complexas que uma história de amor simplesmente.
[Spoilers]
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evig: (chifres)
2016-06-18 06:28 pm
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Tão insano quanto você - Uma vida em listas, de Tood Hasak-Lown

O chamariz desse livro é, como o subtítulo entrega, que ele se propõe a contar um história atravéz de listas, o que é interessante. E apesar de eu estar um pouco entediada com histórias sobre adolescentes homem-branco-cis-hétero-americano-de-classe-média, a pessoa que me emprestou o livro me contou a tal revelação que o pai faz ao filho; e pensar que o livro trata de como esse adolescente lida com esse novo fato é um tema bacana.
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evig: (dark)
2016-06-14 06:29 pm
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Comentário sobre As Fábulas Negras e a contação de lendas

As Fábulas Negras é um filme que costura curtas dirigido por diretores brasileiros que se dedicam ao gênero terror. São histórias/lendas populares que ganharam uma roupagem do terror trash, enfatizando o bizarro, a violência gráfica mais teatral e muito, muuuuito sangue. O fio que costura essas fábulas é um grupo de meninos que saem para brincar na mata e vão contando essas fábulas, e no final, eles acabam protagonizando um última fábula.
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evig: (05 - a cup of tea)
2016-03-17 09:35 am
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Hell - Paris-71016, de Lolita Pille

Hell foi um hit literário na internet lá pelo final dos anos 2000 e acabei reparando em outros livros mais ou menos parecidos de outras jovens autoras na pequena Nobel de São Roque. Na verdade, eu tomei conhecimento disso porque eu comprei Cobras & Piercing e alguém me indicou Hell, mas lembro me de um outro livro, de uma chinesa, que ficcionalizou sua juventude consumista, hipersexualizada e drogada. No fim, Cobras & Piercing destoa um pouco do tema, e a história aparentemente não tem relação com a autora.

Lolita Pille de fato viveu nos ambientes descritos no livro, morou numa casa luxuosa no bairro nobre de Paris, estudou nas melhores escolas e teve amigos que a excluíram de seu círculo depois que o livro foi publicado. E ele foi bestseller na França. Como eu só li agora, pouco mais de vinte anos depois que ele foi lançado, não posso entender o impacto que ele causou porque eu já consumi muito, mesmo que sem saber, dessa premissa. Mas olhando para o texto hoje, vejo que ele poderia ser excelente; uma pena não ser.

Por quê excelente? Read more... )
evig: (moça)
2016-03-11 11:14 am
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A Consciência de Zeno, de Italo Svevo

Diferentemente de A Montanha Mágica, a leitura de A Consciência de Zeno foi muito mais leve e divertida, mesmo os temas não sendo leves. Isso se deve ao narrador-personagem, que longe de ser um modelo, é adorável em sua odiosidade. Zeno é burguês, pouco trabalhou em sua vida (numa ocupação obscura nos “negócios da família”), casou-se querendo outra e a traiu diversas vezes. Até aí, esse é o perfil base do homem da época (começo do século XX). Mas é a honestidade machadiana com que lemos os relatos da vida dele que faz com que a leitura seja divertida.

Umas das melhores cenas do livro se passa no capítulo sobre seu casamento, quando Zeno vai visitar a casa de seu “padrinho” da Bolsa e há a conversa dele com as mulheres da casa. A esposa, a filha mais velha (que ele julga feia), a segunda filha (que ele julga bonita, mas esnobe), a terceira (bonita, mas ainda uma colegial) e a caçula (que o detesta claramente). E ele, se esforçando para ser um bom partido, diz as coisas mais absurdas, sendo inclusive corrigido numa frase em Latim pela colegial, depois de dizer que o Latim não era língua para mulheres.
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evig: (15 - leitura)
2016-03-03 04:36 pm
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Beira-mar, de Márcio Reolon e Filipe Matzembacher

Não sei se sou uma conhecedora média do cinema brasileiro. Acho que estou abaixo disso e um pouco acima do conhecimento do grande público. Tenho problemas para me lembrar dos nomes e dos rostos da grande maioria dos atores brasileiros. Eu não sou familiarizada com novelas e não gosto de filmes de comédias (no geral), visto que grande parte da produção brasileira que vai para os cinemas são desse gênero. Não vi Tropa de Elite. Nem Carandiru. Nem O Alto da Compadecida. Mas vi Cidade de Deus. E Central do Brasil quando eu era muito pequena pra poder me lembrar se eu gostei ou não [nota mental: preciso rever esse filme]. Só me lembro desses blockbusters.

Mas a produção brasileira de cinema fino está no âmbito independente, nas bordas, na boa ideias e na pouca grana. Mas esses filmes a gente não toma conhecimento. Você tem que procurar. Alguns vão dizer que o brilho ficou pra trás, no Cinema Novo. Mas quem vê Vidas Secas? Quem viu Vidas Secas? Meus pais e tios e pais de meus conhecidos certamente não. Eles viam filmes americanos, blockbusters, coisas que hoje passa na seção da tarde.
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evig: (7 - livros)
2016-02-07 12:33 am
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A montanha mágica, de Thomas Mann

Li as mil e poucas páginas em três semanas, e talvez isso tenha prejudicado a minha leitura porque eu passei por capítulos inteiros batido. Presumo que a experiência do tempo de leitura do livro seja importante, mas eu não tenho esse tempo (mesmo nas férias) porque preciso ainda ler mais outros dois e reler um terceiro para a matério que pretendo pedir requerimento. Então a minha experiência real com o tempo de leitura já não bate com o propósito do livro, cujo um de seus temas é justamente o tempo. Outro aspecto fundamental que me impediu de sentir proximidade com as reflexões acerca do tempo é que eu sou filha da pós-modernidade e Hans Carstop está num sanatório nas montanhas numa época pré-guerra. Nós sentimos o tempo de modo muito diferente dele, e até de seus contemporâneos “da planície”. Então o meu tédio com a história se manifestou logo nos primeiros capítulos, junto com um desprezo por essa burguesia que passa temporadas em reclusão num “hotel” luxuoso alheia a tudo. Esse seria o ponto importante pra mim porque é uma forma de crítica, mas é extremamente chato de ler.

Não tem o humor que ouvi dizer que tinha e tem os personagens mais chatos que eu já li. Eu sei que é proposital mostrar como um intelectual discorda de outro por discordar e como seu próprio discurso é cheio de incoerências, mas metade dos capítulos do livro é sobre essas discussões. Cança.

Outro grande tema do livro é a morte. Mas ela parece em segundo plano se você for comparar com as reflexões sobre o tempo. Ela entra como um assunto inevitável já que se trata de um sanatório. Mas dentro desse tema há grandes momentos, como o capítulo em que os internos fazem uma sessão de ocultismo. Mas há outros momentos em que deveria haver um refleção do protagonista (já que ele fica refletindo sobre um monte de coisa o tempo todo). Posso estar enganada, mas quando dizem que este livro é uma bomba de conhecimento, é mais porque o protagonista está refletindo sobre (entre outras coisas) botânica e os intelectuais chatos estão discutindo o tempo todo.

Há também um interesse amoroso que começa de uma forma confusa e lá no meio tem seu clímax num diálogo extenso em francês, sem tradução. Frustrante. E confesso que esse subplot foi o que conseguiu prender a atenção na minha leitura; eu que não gosto muito de história amorosas... O desfecho desse subplot me agradou, apesar de (como já esperado) a reflexão de Hans acerca de como a mulher sente o amor ser desprezível. Aliás, o desfecho da história de alguns (poucos) personagens são satisfatórias, um em especial chega até a ser surpreendente. E o ultimo capítulo me agradou muitíssimo, ele valeu todo o sofrimento da leitura (ou quase). Por todo o livro me pareceu que o teor crítico é mais como eu leio do que algo que o narrador mostra ou algo que eu encontrei no texto; mas nesse ultimo capítulo dá pra sentir o teor crítico vindo do narrador (aparentemente o autor estava em outro momento quando escreveu o final do livro).

Em suma, foi frustrante, mas o livro é importante. Ainda quero ler Morte em Veneza (vi o filme ano passado e gostei bastante). Talvez eu mude minha opinião quando/se eu tiver a aula sobre ele.
evig: (8 - árvores)
2016-01-20 05:44 pm
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A Dúvida ( e o Fantástico ) em Biofobia

Eu considero difícil a terefa de resenhar um livro de que gosto muito. Li numa cassetada só e parei apenas para absorver o capítulo clímax que é de uma narratividade forte e poética. Não é apenas as imagens e a ação que te prendem ao livro, é o modo como Nazarian te envolve em seu humor ácido e os pensamentos desse roqueiro fracassado, que também é um fracasso de pessoa, mas que você não deixa de gostar dele em todo seu egoísmo e atitudes de adolescente.

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evig: (8 - árvores)
2016-01-12 01:57 pm
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Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera

Praticamente depois de um ano sem ler algo contemporâneo, Barba Ensopada de Sangue se iniciou cheio de expectativas, mas ao término da leitura, se mostrou um livro equivocado perante o que promete.

Enquanto eu estava entre a primeira e segunda parte, pensei em escrever algo relacionado sua forma, especialmente ao modo narrativo cinematográfico, conhecido como modo câmera1. Mas acho que ficaria muito acadêmico e Barba não é bem um grande exemplo brasileiro de narrativa em modo câmera (infelizmente, não sei dizer qual seria um bom exemplo). Essa minha sensação não desmerece o ótimo trabalho formal do livro. Quem não está acostumado à narrativa em modo câmera pode estranhar no início, mas logo vai conceber as imagens exatamente como uma câmera. Barba seria um ótimo filme indie, com suas lindas paisagens e planos abertos. O problema ficaria com o ator principal. Mas vou falar do protagonista mais  frente.
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evig: (3 - nuvens)
2015-10-26 04:19 pm
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Guimarães e uma de suas estórias

Saí da aula de LB atordoada. Soroco, sua mãe e sua filha. Chorei quando li, no momento em que a mãe de Soroco entra em sintonia com sua neta e as duas cantam enquanto são levadas para dentro do vagão de trem, rumo ao hospício de Barbacena, para nunca mais. E fui chorando sem saber exatamente os motivos, mas tocada pela loucura das mulheres, pela miséria emocional de Soroco e naquele final incrível quando todos cantam junto, solidários.

Hoje eu chorei de novo. E entendi que foi pela ânsia de sublime que a filha canta, e a avó, e Soroco, e todo mundo. Todo mundo anseia o sublime e a arte é o meio. Pode ser uma canção estranha, toda errada; roupas carnavalescas; um desenho; uma quadrinha; isso aqui…

“Todo abismo é navegável a barquinhos de papel”
evig: (7 - livros)
2015-09-21 01:14 pm
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Infância, de Graciliano Ramos

Em minha primeira leitura de Infância, do Graciliano Ramos, não senti aquele estranhamento com a linguagem que eu senti com seus romances. Mas longe de não ser uma narrativa trabalhada, muito longe, ela flui muito melhor. Talvez por ser uma narrativa de memórias. Talvez pelo autor estar mais alinhado com sua meninice. Talvez por se tratar de recordações já muito enevoadas e o tratamento linguístico aqui ser de esclarecer e não evidenciar as sombras.

Tive uma aula sobre o primeiro conto, Nuvens, e além de uma narrativa de recordações sobre a infância sofrida desse menino que foi Graciliano (num tratamento lírico, o que me deu o adjetivo "fofo" para designar o livro como um todo), o retrato que se forma da realidade da criança legítima e de família com algumas posses no passado, mas que agora está no declínio, do interior nordestino é marcada pela violência e pelo descaso. Não é a infância banderiana, onde se resguarda a mítica do olhar infantil, nem o comum saudosismo de tempos melhores.

E mais além desse retrato cruel, esses relatos são escritos pela linha da formação do escritor. Justamente Nuvens começa numa de suas primeiras lembranças, um vaso de pitombas (uma fruta esférica), que a partir dela começa a nomear os objetos esféricos do mundo. E quando confrontado sobre não poder generalizar; quando tenta se lembrar de uma cantiga; como inventa estórias para os mistérios das palavras que não conhecia.

Há contos muito belos e há contos mais divertidos, outros que te deixam num estado de apreensão e desconforto. Mas a maioria mistura esses elementos porque sua infância era um estado constante de apreensão onde surge a violência e o desprezo, num tratamento lírico e algumas situações cômicas.

Graciliano escreveu esse livro logo depois que deixou a prisão, não me lembro o ano. Tentou escrever Memórias de um Cárcere no qual já vinha trabalhando enquanto ainda preso (textos que se perderam), mas como a privação e toda a violência física e moral estava muito recente, preferiu escrever sobre sua infância, mas não como modo de alienação, mas numa perspetiva diferente do que esperavam dele de denunciar o mundo de dissolução da subjetividade, da violência, que vai do preconceito ao fascismo e a ditadura.

Quando eu penso num autor para ler, tento começar pelo livro mais famoso e depois seguir sua cronologia de publicação. (Mas acho que nunca segui isso porque sempre leio o que está disponível... mas pensemos no mundo ideal, gostaria de proceder dessa maneira no geral). Com Graciliano, eu pensaria em ler primeiro Infância, e depois seguir cronologicamente.
evig: (9 - folhas)
2015-09-10 04:45 pm
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Bebês e o terror

Eu ia na verdade escrever sobre Infância ou Vidas Secas, mas eu acabei de ver A Mão Que Balança o Berço de Curtis Hanson (1992), o que desencadeou lembranças de filmes com bebês que vi este ano. Começou com Annabelle, que me deu vontade de ver O Bebê de Rosemary e A Mão que Balança o Berço. Eles não são filmes sobre os bebês em si (nem O Bebê de Rosemary), mas o centro das ações das personagens principais giram em torno deles.

[spoilers]
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evig: (2 - chá)
2015-09-09 02:02 pm
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São Bernardo, o filme e o romance

Não é novidade meu problema de memória. Talvez nem seja um problema clínico, mas ele me aborrece porque isso torna meu aprendizado mais dificultoso. Não poder lembrar de um livro que li é extremamente desagradável, já que eu lido com literatura.

Faz um tempo que eu queria escrever mais resenhas, análises e pequenos ensaios como forma de me exercitar, mas o tempo... sempre o tempo. Mas isso está tomando proporções mais alarmantes porque romances são mais difíceis de serem relidos (e com tantos livros novos para ler....). Então vou fazer algo bem superficial de agora em diante, falar sobre as primeiras impressões sobre o que eu acabei de ler. Posteriormente posso aprofundar, mesmo porque muito do que estou lendo meus professores aprofundam em sala, mas não pretendo expor aqui o pensamento deles, talvez apenas corrigir e explicar melhor algo da minha primeira leitura. Estava planejando fazer isso desde São Bernardo do Graciliano Ramos, mas eu me atropelei, tive as aulas desse livro e já li outras coisas, então minhas impressões vão ser contaminadas (positivamente) pelas aulas que tive.

Pretendo seguir cronologicamente a partir de S. Bernardo, mas eu me conheço, posso acabar reavivando leituras antigas. Mas o intuito disso não é resenhar tudo que li. E terão filmes aqui também.

Vou criar um tag e tentar agrupar as resenhas antigas para melhor me organizar.

Pois bem, comecemos por São Bernardo, o filme.

O filme?

Sim. Vi ele ontem à noite e me emocionei, o que não ocorreu com o livro. Isso é comum pra mim, me emociono fácil com filmes, mas os livros me arrancam sorrisos e não lágrimas, independente do clima dele. (Posso ter me emocionado com alguns livros também, mas já não me lembro...) Um fator que pode ter influenciado as lágrimas pode ter sido o conhecimento prévio do desfecho das personagens e o uso dos diálogos do livro. Uma escolha que eu considerei muito feliz.
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Este texto também foi publicado aqui.