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Beira-mar, de Márcio Reolon e Filipe Matzembacher
Não sei se sou uma conhecedora média do cinema brasileiro. Acho que estou abaixo disso e um pouco acima do conhecimento do grande público. Tenho problemas para me lembrar dos nomes e dos rostos da grande maioria dos atores brasileiros. Eu não sou familiarizada com novelas e não gosto de filmes de comédias (no geral), visto que grande parte da produção brasileira que vai para os cinemas são desse gênero. Não vi Tropa de Elite. Nem Carandiru. Nem O Alto da Compadecida. Mas vi Cidade de Deus. E Central do Brasil quando eu era muito pequena pra poder me lembrar se eu gostei ou não [nota mental: preciso rever esse filme]. Só me lembro desses blockbusters.
Mas a produção brasileira de cinema fino está no âmbito independente, nas bordas, na boa ideias e na pouca grana. Mas esses filmes a gente não toma conhecimento. Você tem que procurar. Alguns vão dizer que o brilho ficou pra trás, no Cinema Novo. Mas quem vê Vidas Secas? Quem viu Vidas Secas? Meus pais e tios e pais de meus conhecidos certamente não. Eles viam filmes americanos, blockbusters, coisas que hoje passa na seção da tarde.
O primeiro filme brasileiro de que gostei de verdade foi Os Famosos e os Duendes da Morte. É possivelmente o meu filme brasileiro contemporâneo preferido. Como eu tomei conhecimento dele, já não me lembro, mas a minha cópia é pirata, e estava junto com Tropa de Elite e outros filmes brasileiros de grande bilheteria. Emprestei essa cópia antes de ter interesse de ver os outros filmes e nunca mais a vi. Se você encontra um filme desses no camelô, julgo que ele tem certa popularidade, mesmo que esteja num pack só para cobrir espaço. Os Famosos é um filme gaúcho, adaptado de um livro nada famoso, mas que ganhou prêmios em festivais na Europa. Tem a cara de um Brasil que não é o verão-carnaval-alegria, nem da violência gerada pelos nossos problemas sociais (que é cinema bom, mas não precisa ser o único gênero e estava muito em alta na época). É um filme silencioso, gelado, triste, poético. As pessoas aqui também tem vontade de morrer.
Acho que nasceu a partir desse filme uma olhadela mais carinhosa com a produção nacional, apesar de eu ter consciência disso só agora, porque veio junto com a percepção da literatura brasileira de agora. Há muito o que assistir e ser lido.
Mas isto aqui era pra ser uma resenha sobre Beira-mar.
Também gaúcho, a trama se passa numa cidade litorânea, no inverno, e os espaços: dentro da casa de praia, dentro da casa da avó do protagonista contrapondo os ambientes externos. Estou me adiantando.
A trama consiste em dois amigos que vão para essa cidade, ficar nessa casa de praia da família porque o protagonista precisa pegar um documento na casa da avó. A viagem e o isolamento é espelho do que se passa dentro de Martin. Os poucos diálogos mesclam, ora a superficialidade do cotidiano, ora uma nostalgia que esconde traumas e são alicerces da sua confusão (sexual e familiar). “Eu sei quem eu sou” é a frase que a música repete na festa, ironicamente. Tomaz é mais bem resolvido, mas não totalmente. Ele ainda mantém as convenções, porque sua descoberta interior é recente, e porque não é fácil contar pras pessoas, mesmo para as mais próximas. “Você deveria ter me contado”, diz Martin para Tomaz.
Um detalhe bacana é que os outros homens do filme são maiores e geralmente obstruem o caminho dos dois amigos: o segurança na porta do puteiro que não aceita o documento de Tomaz, o tio de Martin no corredor da casa da avó, o amigo que bate na porta do quarto onde está Tomaz. Mas são todas obstruções benéficas, ao menos para Tomaz (mais claramente na cena em que o amigo o interrompe, pois ele não queria transar com a garota). E no caso de Martin, isso ocorre nos momentos em que há uma obrigação, muito mais claramente na cena em que vai visitar sua avó, que na cena do puteiro, mas como ele próprio diz mais à frente como seu pai agia com ele desde pequeno, internalizar e seguir as convenções heteromasculinas não é difícil, mesmo com a tensão homoerótica que é mais sutil pro personagem que para o expectador, mas que ele a percebe.
Interessante notar que a figura do pai aparece apenas uma vez, de costas, no inícil do filme, mas ele é a sombra presente em Martin, contrapondo a lembrança do avô falecido, que é luminosa.
Gosto especialmente dos planos, no enquadramento pelas costas dos personagens. Faz com que os closes frontais sejam muito especiais (e são), especialmente no final do filme, quando há uma convergência entre o interior do personagem e o exterior (a praia).
Faz com que eu pense n’Os Famosos e os Duendes da Morte. E faz com que eu pense ingenuamente no que seria o cinema brasileiro de agora. Mas eu preciso ver mais filmes.
Mas a produção brasileira de cinema fino está no âmbito independente, nas bordas, na boa ideias e na pouca grana. Mas esses filmes a gente não toma conhecimento. Você tem que procurar. Alguns vão dizer que o brilho ficou pra trás, no Cinema Novo. Mas quem vê Vidas Secas? Quem viu Vidas Secas? Meus pais e tios e pais de meus conhecidos certamente não. Eles viam filmes americanos, blockbusters, coisas que hoje passa na seção da tarde.
O primeiro filme brasileiro de que gostei de verdade foi Os Famosos e os Duendes da Morte. É possivelmente o meu filme brasileiro contemporâneo preferido. Como eu tomei conhecimento dele, já não me lembro, mas a minha cópia é pirata, e estava junto com Tropa de Elite e outros filmes brasileiros de grande bilheteria. Emprestei essa cópia antes de ter interesse de ver os outros filmes e nunca mais a vi. Se você encontra um filme desses no camelô, julgo que ele tem certa popularidade, mesmo que esteja num pack só para cobrir espaço. Os Famosos é um filme gaúcho, adaptado de um livro nada famoso, mas que ganhou prêmios em festivais na Europa. Tem a cara de um Brasil que não é o verão-carnaval-alegria, nem da violência gerada pelos nossos problemas sociais (que é cinema bom, mas não precisa ser o único gênero e estava muito em alta na época). É um filme silencioso, gelado, triste, poético. As pessoas aqui também tem vontade de morrer.
Acho que nasceu a partir desse filme uma olhadela mais carinhosa com a produção nacional, apesar de eu ter consciência disso só agora, porque veio junto com a percepção da literatura brasileira de agora. Há muito o que assistir e ser lido.
Mas isto aqui era pra ser uma resenha sobre Beira-mar.
Também gaúcho, a trama se passa numa cidade litorânea, no inverno, e os espaços: dentro da casa de praia, dentro da casa da avó do protagonista contrapondo os ambientes externos. Estou me adiantando.
A trama consiste em dois amigos que vão para essa cidade, ficar nessa casa de praia da família porque o protagonista precisa pegar um documento na casa da avó. A viagem e o isolamento é espelho do que se passa dentro de Martin. Os poucos diálogos mesclam, ora a superficialidade do cotidiano, ora uma nostalgia que esconde traumas e são alicerces da sua confusão (sexual e familiar). “Eu sei quem eu sou” é a frase que a música repete na festa, ironicamente. Tomaz é mais bem resolvido, mas não totalmente. Ele ainda mantém as convenções, porque sua descoberta interior é recente, e porque não é fácil contar pras pessoas, mesmo para as mais próximas. “Você deveria ter me contado”, diz Martin para Tomaz.
Um detalhe bacana é que os outros homens do filme são maiores e geralmente obstruem o caminho dos dois amigos: o segurança na porta do puteiro que não aceita o documento de Tomaz, o tio de Martin no corredor da casa da avó, o amigo que bate na porta do quarto onde está Tomaz. Mas são todas obstruções benéficas, ao menos para Tomaz (mais claramente na cena em que o amigo o interrompe, pois ele não queria transar com a garota). E no caso de Martin, isso ocorre nos momentos em que há uma obrigação, muito mais claramente na cena em que vai visitar sua avó, que na cena do puteiro, mas como ele próprio diz mais à frente como seu pai agia com ele desde pequeno, internalizar e seguir as convenções heteromasculinas não é difícil, mesmo com a tensão homoerótica que é mais sutil pro personagem que para o expectador, mas que ele a percebe.
Interessante notar que a figura do pai aparece apenas uma vez, de costas, no inícil do filme, mas ele é a sombra presente em Martin, contrapondo a lembrança do avô falecido, que é luminosa.
Gosto especialmente dos planos, no enquadramento pelas costas dos personagens. Faz com que os closes frontais sejam muito especiais (e são), especialmente no final do filme, quando há uma convergência entre o interior do personagem e o exterior (a praia).
Faz com que eu pense n’Os Famosos e os Duendes da Morte. E faz com que eu pense ingenuamente no que seria o cinema brasileiro de agora. Mas eu preciso ver mais filmes.
no subject
Penso que esses filmes mais melancólicos e "interiores" são mais de produção sulista talvez pela própria influência européia que é grande na região.
no subject