evig: (7 - livros)
Juliet ([personal profile] evig) wrote2015-09-21 01:14 pm
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Infância, de Graciliano Ramos

Em minha primeira leitura de Infância, do Graciliano Ramos, não senti aquele estranhamento com a linguagem que eu senti com seus romances. Mas longe de não ser uma narrativa trabalhada, muito longe, ela flui muito melhor. Talvez por ser uma narrativa de memórias. Talvez pelo autor estar mais alinhado com sua meninice. Talvez por se tratar de recordações já muito enevoadas e o tratamento linguístico aqui ser de esclarecer e não evidenciar as sombras.

Tive uma aula sobre o primeiro conto, Nuvens, e além de uma narrativa de recordações sobre a infância sofrida desse menino que foi Graciliano (num tratamento lírico, o que me deu o adjetivo "fofo" para designar o livro como um todo), o retrato que se forma da realidade da criança legítima e de família com algumas posses no passado, mas que agora está no declínio, do interior nordestino é marcada pela violência e pelo descaso. Não é a infância banderiana, onde se resguarda a mítica do olhar infantil, nem o comum saudosismo de tempos melhores.

E mais além desse retrato cruel, esses relatos são escritos pela linha da formação do escritor. Justamente Nuvens começa numa de suas primeiras lembranças, um vaso de pitombas (uma fruta esférica), que a partir dela começa a nomear os objetos esféricos do mundo. E quando confrontado sobre não poder generalizar; quando tenta se lembrar de uma cantiga; como inventa estórias para os mistérios das palavras que não conhecia.

Há contos muito belos e há contos mais divertidos, outros que te deixam num estado de apreensão e desconforto. Mas a maioria mistura esses elementos porque sua infância era um estado constante de apreensão onde surge a violência e o desprezo, num tratamento lírico e algumas situações cômicas.

Graciliano escreveu esse livro logo depois que deixou a prisão, não me lembro o ano. Tentou escrever Memórias de um Cárcere no qual já vinha trabalhando enquanto ainda preso (textos que se perderam), mas como a privação e toda a violência física e moral estava muito recente, preferiu escrever sobre sua infância, mas não como modo de alienação, mas numa perspetiva diferente do que esperavam dele de denunciar o mundo de dissolução da subjetividade, da violência, que vai do preconceito ao fascismo e a ditadura.

Quando eu penso num autor para ler, tento começar pelo livro mais famoso e depois seguir sua cronologia de publicação. (Mas acho que nunca segui isso porque sempre leio o que está disponível... mas pensemos no mundo ideal, gostaria de proceder dessa maneira no geral). Com Graciliano, eu pensaria em ler primeiro Infância, e depois seguir cronologicamente.

[personal profile] ex_minotaur153 2015-09-23 08:18 pm (UTC)(link)
Eu realmente preciso ler mais este autor.

Recentemente percebi que você tem usado a palavra "estória" em vez de "história", alguma razão especial para isso?

[personal profile] ex_minotaur153 2015-09-25 02:43 pm (UTC)(link)
eu pensei na distinção porque você estudou guimarães rosa, e ele chamava as histórias dele de "estórias" porque eram invenção. eu chamo/chamava as minhas de "história" porque podiam acontecer com qualquer um.