evig: (ensaio)
2021-07-31 04:53 pm
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O ESCRITOR EM TRÊS CONTOS DE RUBEM FONSECA

 

Rubem Fonseca nasceu em 1925 em Juiz de Fora, mas viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro. Publicou seu primeiro livro em 1963, uma coletânea de contos chamada Os prisioneiros e desde então vem publicando contos e romances.

Sua obra tematiza a violência por meio de descrições gráficas, cruas e impactantes; Alfredo Bosi chama esse tipo de literatura de “brutalista” e Antônio Cândido de “realismo feroz”. Por tratar de crimes e ter como protagonistas personagens da esfera marginal da sociedade (miseráveis, prostitutas, criminosos, corruptos), suas tramas podem ser consideradas noir ou policiais. Embora a história noir e a policial tenham muitos pontos de confluência, costuma-se distingui-las: a hard-boiled que “retrata a população das metrópoles, seus gângsteres e suas mulheres sedutoras, sua polícia e seus políticos corruptos” (JEHAD), e em sua trama ainda há um crime a ser desvendado; enquanto no noir “o protagonista geralmente não é um detetive; ao contrário, é quase sempre uma vítima, um suspeito ou um criminoso.” (JEHAD). Rubem Fonseca segue mais a tradição americana de histórias hard-boiled, mas acaba articulando essas duas vertentes em sua obra.

evig: (ensaio)
2021-07-04 04:10 pm
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A vida, as ideias e a música em os Moedeiros Falsos e em Contraponto

“A vida nos escapa; e talvez, sem vida, nada mais valha a pena.”

Virginia Woolf


O que é a vida? A depender do interlocutor da pergunta, recebem-se respostas diversas, desde respostas vindas das inúmeras áreas do conhecimento, até opiniões subjetivas salpicadas de lugar comum. Para a classe artística, “o que é a vida” tem um sentido urgente. A busca pela vida, não é apenas por seu significado, seus grandes temas, e talvez, sua hipotética universalidade. Um artista busca a vida em sua forma, em seus detalhes, em sua especificidade. O início do século XX trouxe uma promessa de vida arruinada pela Grande Guerra. As vanguardas tiveram que ser repensadas depois dos horrores das trincheiras. Formas de comunicação em massa e o surgimento da indústria do entretenimento mudaram a relação das pessoas com o tempo, com a experiência, com a vida. Os escritores que pensavam seriamente a literatura se perguntavam como narrar a vida, essa vida dos anos de 1910, 1920 - loucos, contraditórios e intensos. 

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evig: (ensaio)
2021-05-26 07:01 pm
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Gregório de Matos e o Barroco Brasileiro

 

Trabalhar com a obra de Gregório de Matos nos faz esbarrar a todo momento com a problemática da autoria e a tradição literária. De fato, não houve registros manuscritos sobreviventes de seus poemas e o que temos são códices reunidos sob seu nome numa duvidosa seleção. A tradição literária tentou separar o que seria de fato de autoria do poeta e o que seria de seus contemporâneos, associados à sua obra por diversos motivos. O que críticos como João Adolfo Hansen apontam é que, sendo o material vasto em quantidade e em diversidade temática e formal, é uma tarefa que está fadada ao fracasso tentar separar o que seria de autoria de Gregório de Matos, já que não existe um texto parâmetro e o critério de qualidade é por demais subjetivo. 


O que se sabe da pessoa histórica de Gregório de Matos já corrobora para que a obra de sua suposta autoria fosse diversificada. Feitos seus estudos em Coimbra, onde o poeta tomou conhecimento da poesia europeia do período, ao voltar para o Brasil viajou pelo recôncavo baiano e assimilou em seus poemas a oralidade, os temas e as formas populares dos jograis. Como se vê nos códices que reúnem seus poemas, há de sonetos à glosas, da poesia lírica à pornográfica, temas religiosos e maledicência a todos os estratos sociais, inclusive o clero. Além disso, era comum o poeta do período utilizar versos ou até mesmo estrofes de outro poeta, indicando filiação e seu bom gosto. Não há o conceito de plágio. E ainda deve se lembrar que essa poesia é oral e, portanto, “(...) eram, muitas vezes, transcritos em folhas avulsas; outras, memorizados, sendo copiados em novas folhas ou reproduzidos na oralidade, produzindo-se variantes transcritas, por sua vez, em outras folhas avulsas ou novamente reproduzidas por novos agentes na oralidade.”  (HANSEN p. 40)

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evig: (diário)
2021-01-10 06:17 pm
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Não sou nostálgica

 A muito tempo atrás, eu fazia resuminhos baseados em scrapbook das mídias e produtos culturais que eu consumia ao longo do ano. Isso deixou de fazer sentido pra mim, talvez pelo mesmo motivo que blogar deixou de fazer certo sentido. Desde 2018 eu tenho tentado - sem sucesso - manter uma espécie de diário histórico, nem preciso dizer os motivos. Eis que 2020 superou os anos de ansiedade e angústia e todo mundo foi afetado em todas as áreas da vida. Muita gente aproveitou para ler mais, fazer cursos, ver mais filmes, maratonar séries, etc. na prática, poucos conseguiram "aproveitar" esse tempo que parecia abundante e se mostrou tão ou mais escasso que nos dias "normais". O que mais saltou aos olhos meus e dos meus colegas de faculdade foi a falta de foco para leitura, o cansaço com a internet e com as aulas online. Não vou nem falar dos inúmeros outros problemas (dinheiro, rotina, família). 

Não descobrimos ainda os motivos dessa falta de foco para a leitura. Meus professores não conseguiam mais manter suas leituras como antes. Cansaço de ambas as partes. 

Como todo mundo, no início eu me inscrevi em dezenas de cursos online, planejei estudar isso e aquilo e no fim, mal acompanhei as obrigações da faculdade... Até ajudei minha mãe nos cursos que ela se inscreveu - em especial um de fotografia. Mas esse post não é para abrigar reclamações genéricas. É só mais um dos milhares de registros inúteis sobre os produtos culturais que consumi com alguns comentários.

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evig: (escrita)
2019-03-01 12:58 pm
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Metáforas

Sônia chegou e me abraçou forte, tão forte que quando me separei, não me distanciei. Acho que foi ali que invadi o espaço dela. Talvez ali eu tenha dado a entender que a proximidade física era um convite ou uma autorização. Nos conhecíamos a pouco tempo, e ela tinha me convidado para um café para podermos conversar, mas isso tinha sido antes das férias, achei que a conversa seria sobre minha pesquisa. No dia anterior, ela tinha me chamado para assistir uma aula na Filosofia e depois estender até a aula que ela daria sobre História da Arte. Aceitei animada, com exclamações e emojis.

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evig: (ensaio)
2019-01-04 06:29 pm
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Black Mirror: Bandersnatch, de David Slade (com spoilers)

Eu não sou fã de visual novels, e li apenas um livro-jogo bem ruinzinho. A lógica de procurar um final feliz me incomoda, e eu até tenho nas minhas notas de coisas para “tentar escrever antes de morrer” um livro-jogo em que o crescimento emocional do protagonista é mais importante que as peripécias ou o final (seria uma espécie de romance de formação para adolescentes). Black Mirror: Bandersnatch é muito mais interessante porque amarra a noção de livre-arbítrio no tema e na forma. O final feliz aqui não importa, na verdade, nem o “melhor” final importa tanto. Jonathan Tadeu disse num tweet que o filme nos dá a impressão de que comandamos o filme, mas é ele quem nos comanda e eu tive exatamente essa impressão junto com uma outra que vou expor mais pra frente.
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evig: (chifres)
2018-07-21 03:03 pm
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A série The End of the F***ing World e a (minha) adolescência [sem spoilers]

Eu pensei em começar esse texto mais ou menos assim: The End of the F***ing World tipifica, em dois personagens, sentimentos que todo adolescente sente.

Mas aí eu lembrei que nem todo adolescente era deslocado ou queria dar um soco nos pais, explodir a escola, fugir, tacar o celular no chão. Então eu pensei em começar assim: The End of the F***ing World tipifica, em dois personagens, sentimentos que a maioria dos adolescentes, os deslocados, sentem; embora a adolescência possa ser definida como um sentimento constante de errância. Mas eu esbarro sempre na minha experiência. Até pouco tempo, eu achava que isso que eu acabei de dizer era verdade absoluta, que todo mundo que passou por essa fase se sentia mal, errado, irritante e deprimido. Foi só sair um pouco da minha bolha pra perceber que as pessoas não estavam fingindo que estavam confortáveis em seus papéis. Então hoje eu preciso aceitar que , talvez, a maioria dos adolescentes consiga passar por essa fase confortáveis, se divertindo em irem contra os pais que nãos os entendem.

Então eu preciso reformular o inicio do texto sobre a série: The End of the F***ing World tipifica, em dois personagens, sentimentos que os deslocados sentem por toda a adolescência. Porque é isso, James é o esquisito que acha que é psicopata e quer matar pessoas (quem nunca pensou nisso?!) e Alyssa é a que sente raiva por tudo e tem uma incrível consciência da vida medíocre que a espera (novamente, quem nunca pensou nisso?!).
Primeiro, quero esclarecer que a série resolve essa possível psicopatia de James, o que me aliviou pra caralho, já que a premissa “psicopata que se apaixona” é ridícula. Eles não sentem empatia, portanto, não podem se apaixonar. O que as ficções sobre isso fazem é dar uma super força a um sentimento que nesses casos são tudo, menos amor. Mas não vou dar spoilers.

Alyssa é a força motriz da dupla e é quem toma a maioria das decisões. Adoro o prazer que ela tem em humilhar todo mundo só pelo prazer de ser a esquisita e dizer o que pensa. Claro que depois ela se arrepende porque magoou as pessoas, mas ela tem 17 anos, então esse sadismo juvenil é mesclado com a romantização que ela faz do pai ausente. Acho esse arco maravilhoso porque todo mundo tem um momento na vida que percebe que seus pais (um deles, ou os dois) são pessoas cheias de defeitos e que possivelmente foderam com o psicológico de seus filhos. Aliás, isso vale para o James, mas o caso dele é bem mais complicado… não quero dar spoilers.

Mas essa consciência dos defeitos dos adultos/pais não impede que eles vejam que de alguma forma, eles tentaram, falharam, mas tentaram.
O que mais me toca é que eles conseguem conforto um com o outro, nem tanto pelo romance, mas pelo apoio e empatia.

A série foi baseada na HQ de Charles S. Forsman que não saiu no Brasil.
A trilha sonora também é legal. E eu gosto do final, não quero uma segunda temporada.
evig: (04 - banco)
2018-07-20 12:57 pm
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A menina e a maçã

Quando eu era pequena, minha mãe me perdeu na feira. Depois de um tempo, ela foi me encontrar na banca de maçãs. Eu tinha 3 anos.

Podemos pensar que, sendo uma garota, que saiu dos cuidados maternos para ir atrás de uma maçã, estamos falando de um conceito edipiano e bíblico, já que a maçã é associada ao pecado original de Eva, mesmo que não tenha a palavra “maçã” em Gênesis. O que quero dizer é: e se fosse um menino, e se fosse um pai, e se fosse uma pera? A do pai é fácil, se a menina fugiu dos cuidados do pai, ela está fugindo do patriarcado, e encontrando a maçã, o “pecado”, então ela encontra a sua liberdade (sexual?). Se for um menino, é o drama edipiano e a maçã simboliza o sexo oposto (corte a maçã ao meio e verás). A pera é mais difícil. O que a pera simboliza? Acho que no Brasil, onde o caso aconteceu, especificamente no interior do estado de São Paulo, não significa mais que uma fruta. Mas ela deve ter suas simbologias em outros lugares. Se esse caso se passasse na China, poderíamos associar a fruta a separação, já que a palavra homófona de pera em mandarim significa separação.

E temos que por uma data neste caso! Ocorreu no início do anos 1990. Pensando que a internet e os gadgets se popularizaram no Brasil a partir dos anos 2000, se o caso tivesse acontecido 10, 20 anos mais tarde, a maçã seria um símbolo da tecnologia como um alcance de maturidade.
Mas estamos ignorando o ambiente mais imediato, a feira. O que a feira simboliza? Compra e venda de alimentos, em geral, frutas e legumes. Prática medieval, portanto uma volta ao mundo não industrializado. O que uma menina pegando uma maçã depois de sumir da vista da mãe significa neste contexto? A volta ao útero (corte a maçã ao meio e verás) da terra? Uma recusa ao laço parental em adesão ao laço biofeminista? Biopunk (a menina se revelou contra a mãe não pagou pela maçã)? Biolésbico (corte a maçã ao meio e verás)?

E se tudo isso tivesse sido no mercado? Seria uma relação transgênera? O que isso significa?
evig: (03 - nuvens)
2018-07-01 02:32 pm
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Lupe de Lupe no Sesc Pompeia

Fã é um bicho esquisito. Você perde a habilidade de interação e fica feliz com um simples "oi"; com uma dedicatória no encarte do seu álbum preferido (os últimos exemplares). Você olha pro Renan e só consegue dizer "brigada", não pela dedicatória, e ele diz "brigado", talvez por você ter comprado o álbum, ou por você ouvir a banda. E quando o Gustavo e o Cícero aparecem para socializar com as pessoas, você só fica feliz de ter visto eles circulando por ali e de poder ouvir a voz do Renan perguntando o nome da outra fã que quer dedicatória. Quando o Vitor sobe no palco e olha para a plateia inteira, sorrindo, você acha que ele te viu e fica feliz. Você acha que o Renan tocou "A Escrava Isaura" especialmente pra você. Você acha que o discurso motivacional do Vitor é pra você (você sempre acha que os discursos do Vitor são pra você). E você se sente orgulhosa de ser fã da banda quando outros fã sobem no palco, duas vezes, e canta junto com você e fazem mosh e pulam e choram com "Gaúcha" e gritam "quebra essa porra, caralho!". E perceber que os músicos estão tão felizes quanto nós, os fãs.

Minha mãe disse pra colega dela que "coitada, a Ju nunca sai. Ela não tem amigos". Ah, mãe, eu tenho muitos amigos, mas eles não sabem disso.


[fotos do álbum no instagram; por alguma razão eu não consigo incorporar as fotos aqui]
evig: (01 - orvalho)
2018-02-25 09:48 am
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O nome se chama

Postei minhas músicas spoken word lo-fi no bandcamp!

https://onomesechama.bandcamp.com/releases
evig: (15 - leitura)
2018-02-25 09:23 am
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20/02/2018

Kyran e Ezra escreveram sobre o início e as motivações que impulsionaram eles a escrever ficção. Esse tipo de narrativa me emociona. Então resolvi fazer a minha, mesmo que talvez eu já tenha respondido isso em memes antigos, não me lembro.

Eu comecei a escrever em 2007. Antes disso a escrita só se mostrou a mim como algo possível de ser feito por “reles mortais” quando descobri as fanfics nos anos anteriores. Retrocedendo ainda mais, me lembro de ter ganhado um “prêmio” de redação junto com colegas de outras turmas, e um da minha. Não faço a menor ideia do que se tratava essa redação, apenas que era uma ficção. Lembro também que achei injusto; estava torcendo para a história da minha amiga que contava a trajetória de uma boneca passada pelas gerações.

Então, quando eu descobri as fanfics em 2005, especialmente quando me tornei leitora de fanfics yaoi de bandas de visual kei numa comunidade do livejournal no ano seguinte, eu vi que eu podia criar, pôr no papel os diálogos que eu inventava pra passar o tempo, fazer parte do outro lado desse mundo que eu já amava, que era a literatura.

Em 2007, eu e minha irmã escrevemos uma fanfics de X Japan. Ela começa engraçada e termina dramática. Depois escrevemos três capítulos do que seria uma paródia de um quadro do programa Domingo Legal, Gugu na minha casa. A fanfic se chamava Uru na minha casa… confesso que achei o primeiro capítulo ridiculamente engraçado, mas perdemos o fôlego. Minha irmã abandonou as fanfics, mas eu fiquei. Na época, li um romance policial genérico, mas que fez com que eu imaginasse as personagens como os j-rockers das fanfics que lia. Resolvi escrever uma fanfic baseada neste livro. Foi com ela que eu aprendi coisas triviais como revisão, leitura beta, distinção das personagens (e eram várias).

Concomitante à essas fanfics, eu escrevia e publicava textos originais na minha conta, que não eram histórias, propriamente. Iam do diálogo ao desabafo, passando por poemas ruins e crônicas sem reflexões. Não sei precisar quando abandonei as fanfics e comecei as histórias (com enredos) originais. Mas a entrada em uma comunidade dedicada a originais “yaoi” foi um fator importante, não só pelo fato de ser voltada a originais, mas pelos desafios que ela oferecia. Ali minha produção cresceu e depois de uma querela com o moderador (o Kyran citado no início deste texto) em 2013, eu e alguns usuários do site nos afastamos da comunidade.

Mas mesmo sem uma comunidade literária, o outro fator que possibilitou um crescimento na minha escrita foi a entrada no curso de Letras. Eu espero um dia poder escrever mais consciente deste processo, estou no quinto ano da faculdade e mesmo que o tempo para escrever seja limitado, a diferença que vejo em contos de 2013 e os de 2016 é visível. Muito provavelmente, Letras não é ideal para quem quer ser escritor, principalmente se você escreve histórias de gêneros (terror, romance, sci-fi). Mas você vai com certeza aprender muito sobre literatura. Você pode ter a sorte de um professor dar um curso sobre narrativas fantásticas. Edgar Allan Poe, Cortázar, Jorge Luis Borges são exemplo de escritores “acadêmicos” que qualquer escritor de realismo fantástico deve estudar (e você certamente vai se deparar com Poe em qualquer curso sobre o conto moderno). E há exemplo de todos os “gêneros”. Você acaba lendo obras diversas, que podem ser chatérrimas, mas que vão fazer você entender detalhes de construção, de conteúdo, de contexto histórico, de recepção daquela obra. Que o “como” é mais importante que “o que” (e com isso aprende a conviver com spoilers… mais ou menos rs).

Minhas histórias não têm enredos interessantes, com acontecimentos e reviravoltas. Minhas personagens não são tão densas ou carismáticas para carregar um romance (novel). Eu nem escrevo narrativas longas, apesar de estar escrevendo uma atualmente. Eu tenho outras limitação formais como não saber e/ou gostar de escrever descrições físicas. Mas em algum momento dessa trajetória, eu entendi que minhas limitações fazem parte da minha voz, e que sim, eu tenho uma. Minhas influência já estão mais diluídas, existe um conjunto de temas que gosto de abordar, alguns tipos de personagens são recorrentes. Mas não deixo de testar e aprender coisas novas. Sempre.


Obs 1.: Essa fanfic "Uru na minha casa" que escrevi com minha irmã se perdeu.
Obs 2.: Os links para os posts de Kyran aqui e de Ezra aqui. Link do meu arquivo de histórias aqui.
evig: (dark)
2018-02-25 09:22 am
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19/02/2018

Hoje, conheci uma banda chamada King Woman. Estava ouvindo o álbum mais recente da Chelsea Wolfe e o Spotify me sugeriu algumas músicas, dentre elas, uma dessa banda. Eu só consigo descrever a voz da vocalista com metáforas: é grave, densa, cremosa, elástica como caramelo, mas sem ser sensual, mesmo que eu sinta “coisas” quando ela estende uma nota longa e no meio faz um som dissonante.

Umx ex namoradx ficou ciumentx uma vez quando conversávamos sobre vozes de dubladores. Porque parecia que eu sentia “coisas”. Achei que elx estava brincando, mas não estava. E naquela conversa, tal alegação parecia exagerada. Mas vendo pelo lado de quem me ouve falando de vozes como eu falei agora a pouco, nem parece um exagero. Posso dizer no fim que é apenas a voz de alguém, nem é a pessoa. Mas tem aquele filme que o cara se apaixona pela voz da Scarlett Johansson…

Mesmo que eu diga que me apaixonei por essa voz (e eu disse) continua sendo apenas uma voz, uma voz que me causa umas “coisas”, mas apenas uma voz.
evig: (05 - a cup of tea)
2018-02-19 03:54 pm
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18/02/2018

O sr. Machado de Assis andava pensando muito em uma cena onde um rato era cruelmente morto por sadismo. Escrevera, anos antes, um conto cuja fábula consistia em dois cientistas que dissecavam ratos vivos para fins de experiência; uma sátira. Agora, se via voltado aos ratos novamente, mas queria trabalhar outro aspecto; suspeitava que o conto que estava para escrever teria um tom mais sério, com personagens mais próximos e um olhar mais íntimo diante da crueldade. Pegou tinta, caneta e papel e escreveu:
“Garcia viu Fortunato sentado à mesa, sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que Garcia entrou no gabinete, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrorizado.”

Parou. Fortunato certamente é um homem sádico, mas perfeitamente inserido na sociedade; sua crueldade passa despercebida. Para isso ele deve procurar exercer seu prazer silenciosamente, no cotidiano de seu ofício, pensou.

Já Garcia seria que tipo de homem? Quais suas paixões? Seria um homem moralmente correto? Para evidenciar a paixão de Fortunato, Garcia deve ser o mais comum dos homens comuns? Ele precisa ser seduzido por Fortunato? Garcia certamente tem sensibilidade. Refletiu e voltou-se ao papel:

“— Mate-o logo! disse-lhe.”

Neste momento Fortunato está concentrado, não pensa em como tal cena pareceria ao amigo. Eles seriam íntimos a esse ponto? Sim seriam, precisam ser.

“— Já vai.

E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não acabava de morrer.”

Apesar de íntimos, Garcia não tem a coragem necessária para impedir que o amigo continue tal ato; não faz parte de seu caráter. Sua principal característica é a observação. Garcia gosta de observar as figuras humanas; tal cena horroriza-o, mas não pode deixar de observá-la.

“Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.

Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortar-lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.”

Neste momento, Fortunato volta a si, ao homem social, à máscara que precisa manter, não por premeditação, mas por hábito. Se bem justificada, toda a violência é incólume. Mas Garcia percebe; é um bom observador.

“Ao levantar-se deu com Garcia e teve um sobressalto. Então, mostrou-se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida.

"Castiga sem raiva", pensou o Garcia, "pela necessidade de achar uma sensação
de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem".”

E assim Garcia conhece a natureza deste homem, pensou. Mas o conto não pode terminar neste ponto. O que esta cena suscitaria em Garcia e nesta relação de amizade? Uma relação profissional pode existir afim de mantê-los em contato. Garcia pode ter algum outro interesse, talvez em alguma figura feminina ligada à Fortunato.

O sr. Machado de Assim então pensou no sr. Edgar Allan Poe. Pegou outra folha de papel e molhou a caneta no tinteiro. Já decidira o final do conto e optou por um início in media res:

“Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente, — de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço...



Este conto faz parte da tentativa de responder este desafio.
evig: (02 - relógio)
2018-02-19 03:45 pm
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16/02/2018

Lista de músicas para quem não me conhece (2018)

Like Horses - Syd Matters
Give out - Sharon van Etten
Sally Song - Fiona Apple
Shame - PJ Harvey
Gruvene på 16 - Kaisers Orchestra
San Pedro - Mogwai
M - Vitor Brauer
Death is a Desease - Clint Mansell
The Devil - Anna Calvi
Pale on Pale - Chelsea Wolfe
Homem - Lupe de Lupe
Holocaust en 3 temps - Eths
Mr. Writer - Stereophonics
Rest in the bad - Laura Marling
Sorrow - Yuki Kajiura
evig: (dark)
2018-02-19 03:39 pm
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14/02/2018

O clipe começa com a mc Professorinha dizendo de onde vem enquanto anda pelos corredores da escola: “FFLCH, Cursinho da ETEC São Roque, EE prof Altina Júlia de Oliveira, EMEF prof Manuel Martins Villaça, EMEI Paulo Freire”. O rap vai enumerando as turmas de alunos e ela manda um salve para os estagiários, os funcionários e a associação de pais. Na parte mais polêmica, mc Professorinha fala do diminutivo de seu nome e de homofobia: “me chama ‘fessorinha, mas nas costas, sapatona. Causo 34, sou sapatinha, Mona.” E chama seu companheiro, o poeta Ez, que rima tatuagens, pronomes corretos e letras políticas de uma banda chamada Manic Streeth Preacher. No clipe, Ez escreve no quadro branco. A música segue e depois da mc alfinetar sobre a nova reforma educacional, ela chama o refrão da icônica música da banda Pink Floyd, Another Brick in the Wall, chamando seus alunos num coro. Ao final, Professorinha confessa que tenta não ser “outro tijolo no muro” e faz o que pode. O clipe termina com as crianças correndo pelo pátio, a mc seu parceiro e outros educadores posando com seus diplomas, mostrando a importância dos estudos dos dois lados, do aluno e do professor, além do respeito à minorias e acessibilidade da educação à todos, já que o vídeo está disponível no YouTube com descrição visual e a letra da música em libras.

Nota: 8
evig: (11 - flores)
2018-02-14 08:52 am
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08/02/2018

Descobri que meu vizinho está escrevendo um romance. Meu irmão conseguiu o arquivo e me passou. Ainda não li, mas tem apenas 20 páginas, faço isso rapidamente. E claro, vou opinar. E pensando nisso, nessa posição de tia-que-escreve-há-dez-anos-portanto-sabe-de-alguma-coisa, eu me toquei que minha formação acadêmica me deu uma perspectiva que a prática não me deu, mas que a prática me deu uma perspectiva que talvez tenha me ajudado na faculdade, sem eu saber exatamente que veio desses anos de fics e fanfics, comentários, conversas e desafios em comunidades na internet. E, apesar da preguiça, me dá uma vontade de passar esse conhecimento todo, que nem sei bem por onde começar, se estou no lugar adequado com o perfil do wattpad, se estou dialogando com aquele público… Ao mesmo tempo, tem tanta coisa pra aprender...
evig: (Default)
2018-02-07 02:45 pm
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05/02/2018

Às vezes, a página fica em branco por causa de uma enxurrada de assuntos, frases, causos que me contaram no dia, impressões sobre acontecimentos, pequenas alegrias e pequenas chateações, temas, formas, significados e significantes tão diversos que não sei por onde começo a filtragem. Escrever é selecionar, escolher, cortar. Tem dias que o assunto é claro, a forma vem com ele e o texto se faz quase que sozinho, quase uma psicografia. Tem dias que um personagem baixa e te encapeta até ele ficar satisfeito, você que se vire pra arranjar uma história pra ele. Tem dias que você precisa dizer algo e tudo vai contribuir para que a mensagem seja dada. Tem dias que a forma é o conteúdo, seja ela hermética, acadêmica ou com ares de originalidade. Tem dias que não vem nada. Tem dias que você é o caçador, o aventureiro, o pesquisador. Tem dia que vem tudo isso junto, numa espiral; e cada ideia te puxa, te estapeia, te arremessa. E você precisa organizar, selecionar, cortar o que sua mente te diz.
evig: (10 - gato)
2018-02-07 02:39 pm
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04/02/2018

Agora que o projeto “O nome se chama” está pronto, sinto uma ansiedade. Ele é muito pessoal, escancaradamente pessoal. É difícil pensar em divulgar algo que não tem propriamente valor artístico, mas que é de certa forma arte que precise ser divulgada, para que deixe de ser meu e seja do outro. Música é diferente do texto, apesar do princípio autor-público ser o mesmo. A arte só tem sentido se for vista, lida, ouvida, vivenciada e experienciada por um outro, que vai admirá-la, interpretá-la, criticá-la, dar valor artístico ou não, torná-la sua. É estranho quando é algo que não é ficção. Parece que tudo de danoso, frustrante, mal, ruidoso, confuso e estranho que existe dentro de mim foi posto nessas sete músicas feias que eu de alguma forma dei forma. Ou eu estou insegura especialmente por ser o primeiro. Ou porque insegurança faz parte de mim.

Estava planejando divulgar pelo facebook, mas confesso que agora quero apenas passar para alguns amigos próximos. Não vai ter video-clipe (apesar de que imaginei um para Corpo), mas posso por as músicas no youtube. Preciso pensar num release, então vamos lá:

Esse projeto é fruto de frustrações externas e internas acumuladas em anos. Seu clímax veio com acontecimentos ocorridos em julho de 2017, quando escrevi metade das letras e gravei a maioria das leituras. A parte instrumental foi gravada em janeiro de 2018. Todas as composições são minhas com exceção do sample de Chester Bennington (para Tatty) versão 2 e uma citação do famoso poema de Augusto dos Anjos. Esse projeto talvez demorasse mais alguns anos para ser feito se não fosse o tablet que Ezra me emprestou quando meu celular parou de funcionar e do equipamento (guitarra, pedaleira, amplificador) do meu irmão que me emprestou meio sem saber. Também devo agradecimentos aos artistas que me incentivaram a fazer spoken word, sem que soubessem, é claro (Vitor Brauer, Paola Rodrigues, Jujs) e todos os artistas independentes que fazem muito com pouco. Também agradeço as bandas ruins da minha região. E uma menção honrosa ao show que o Vitor Brauer, Fernando Motta e Jonathan Tadeu fizeram na Santa Cecília, que me jogou num buraco existencial onde eu pude entender a urgência de fazer um projeto como esse. Ele é escancaradamente pessoal e não tem pretensão alguma de ser importante para alguém além da autora. Se você chegou aqui de alguma forma e ouviu esses poucos minutos de música mal feita, obrigada! Espero que você tire algo de bom disso, mesmo que seja como contra-exemplo.

O nome se chama é um projeto de spoken word lo-fi feito com recursos parcos, muitas limitações e nenhuma verba. Sua pretensão é apenas a de existir.
evig: (Default)
2018-02-02 01:01 pm
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31/01/2018

Um hóspede do hotel onde estou trabalhando me perguntou se eu gostava de rock, de heavy metal. Disse que sim, que era mais ou menos isso. Ele comentou que teve uma fase assim também. No ponto de ônibus, um ex vizinha comentou que se lembrava de mim porque eu tinha o cabelo azul, verde, amarelo. Que a fase loucura dela veio agora, depois que se separou, com as tatuagens. Não nego que fases são importante para construção do sujeito. O que parece ser mito comum é o movimento de abandono delas em prol de uma vida mais opaca. E quando a fase “loucura” chega depois de adulto, ela me parece tão importante quanto a da adolescência. Uma vida opaca não foi satisfatória. Apesar da cor do meu cabelo não ser mais fantasia, eu ainda tenho fases: spoken word, anéis, geração perdida de minas gerais, post rock, dir en grey (fase recorrente), cabelo joãozinho, gravação de ruídos, autoficção. E essas são apenas as fase dessas últimas semanas. Algumas vão ficar, outras serão recorrentes, outras vão embora. Mas elas não me parecem loucuras ou que estejam dando indícios de uma vida opaca. Maturidade tem dessas coisas, estereótipos de maturidade. Crescer e ser um adulto aclimatado. Não sei bem o que isso significa. Mas parece que não estou indo por esse caminho. Para o bem e para o mal.
evig: (06 - timidez)
2018-01-31 03:05 pm
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30/01/2018

Garcia lembrou‐se que na véspera ouvira ao Fortunado queixar‐se de um rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava.
Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não mata‐lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira.
Garcia estacou horrorizado.
— Mate‐o logo! disse‐lhe.
— Já vai.
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia‐se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou‐os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou‐a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao desce‐lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida. Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão‐somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu‐lhe, e era verdade, que Fortunato havia‐o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou‐o para cortar‐lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.
Ao levantar‐se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrou‐se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida.
"Castiga sem raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem". (ASSIS: 1994, 516‐518)

Sorria, sem perceber. E quando percebeu, se sentiu encabulada. Era um trecho do conto “A causa secreta” de Machado de Assis, provavelmente seu conto preferido do escritor. Seu primeiro contato com o texto tinha sido na sala de aula: dava para ouvir alguns suspiros e onomatopeias de nojo ou horror conforme a professora lia o conto. A garota sorria sem perceber. Ao final da leitura, a professora comentou que as reações eram exageradas, mas quem sorriu foi pior. Nesse momento a garota percebeu e ficou encabulada, como agora. Depois desse episódio, toda vez que lia alguma passagem de violência mais explícita, percebia ao término que sorria. E o fato de tirar algum prazer de cenas tão violentas fazia com que se sentisse mal. Não era uma sádica. Usando este exemplo de “A causa secreta”: ela adora ratos, não tem nada contra eles e certamente nunca conseguiria ser agente de atos tão cruéis. Não era Fortunato. Mas também não era Garcia, horrorizado com a visão. Talvez se aproximasse de Fortunato na cena final, onde ele se deliciava com o sofrimento emocional de Garcia. Não, não era isso também. Estava se esquecendo que aquilo era ficção. Na vida real, atos como esses a enojava, revoltava. Então porque na ficção se deleitava com tais cenas?

Talvez seria a genialidade do escritor: fazer com que o leitor se coloque no lugar de Fortunato, mesmo que por alguns instantes. Ou fazer com que ele seja entendido. Não, compreensão é diferente de prazer. Não era como Laranja Mecânica, que é narrado pelo ponto de vista do agente da violência e, portanto, faz com que haja empatia do leitor com Alex. Talvez seja como em Psicopata Americano, estruturado para fazer o leitor sentir tédio até nas cenas mais fortes. Tinha sentido choque e prazer ao ler as primeiras mortes, estripamentos, desmembramentos e todo tipo de carnificina, mas na cena em que Bateman brinca com o rato e o canal vaginal da moça, não sentiu mais o efeito, estava saturada de violência e era proposital.

Genialidades dos escritores: dirigir as reações do leitor e fazer ele pensar sobre elas.

Então era isso? Sentia prazer porque o escritor queria que ela sentisse prazer com a violência? Não, era muito simplista. Aquilo estava nela, talvez, como na experiência de leitura de Psicopata Americano, estava saturada de violência. Passou a infância consumindo desenho animado violento, filmes violentos, programas de tv onde se ria das pequenas desgraças alheias. Mas não era sádica na vida real. Sabia distinguir representações violentas para entretenimento das produções críticas sobre o tema. Gostava da segunda. Ai meu deus! Era uma sádica crítica! Sentia prazer justamente porque a cena era construída para que ela não sentisse prazer, cenas que criticavam o prazer que as pessoas tiram de cenas violentas.

Continuou a ler o artigo de Jaime Ginzburg sobre a representação da violência na literatura brasileira. Sim, era fruto de uma geração que cresceu saturada de violência nesse tipo de representação, por isso tirava prazer estético disso. Tinha sido treinada para achar violência algo normal. Os agentes do saber, os conservadores, fazem isso desde que o Brasil é Brasil. E conforme mais estudava a representação crítica da violência, mais prazer tirava dos textos. Era uma sádica literária.

Ok. A questão de agora em diante será: como conciliar esse sadismo com os estudos sobre violência? Como ser contra a violência real e ter prazer com violência ficcional?




[Inspirado neste desafio literário]