A festa do domingo
7 October 2016 12:45Era aniversário de minha mãe e ela fizera questão de chamar todos os parentes. Evidentemente, as crianças vieram junto. Só não veio um tio, o alcoólatra, não sei se por não querer vir ou por não terem perguntado se ele queria vir. Eu mesma tinha me esquecido dele; minha irmã foi quem notou sua falta. Então estamos falando de oito pessoas, tirando os moradores (mais ou menos regulares) da casa: eu, minha mãe, minha irmã e meu irmão. Meu primo mais velho trouxe a namorada (que eu nem sabia da existência), meu irmão estava com a dele desde que eu havia chegado na sexta-feira à tarde, minha irmã chegou só no domingo com o namorado e o irmão deste. Eu não trouxe ninguém.
Mas a estória acontece no sábado, quando havia oito pessoas na casa: eu, minha mãe, meu irmão e a namorada, minha tia e seus dois filhos, e a vó. Além dos dois gatos.
Meus gatos odeiam crianças. Elas ficam correndo atrás deles, pegando, apertando, tratando como brinquedo. Eu odeio crianças. No geral. Mas odeio principalmente meus primos, esses dois mais novos. Porque são crianças e porque eles são mau-educados, birrentos, mimados e insuportáveis. Quando eles chegaram na sexta à noite, comecei a minha tática de tentar desaparecer dentro da minha casa: me manter concentrada totalmente em uma única atividade; não falar ou falar o mínimo possível com alguém; não circular pelos cômodos enquanto alguém estivesse neles; diminuir meu ki para que mau percebessem minha presença. A tática desmoronou na manhã do sábado porque dormi muito mal e acordei de mau-humor. Minha famosa paciência, que é tão grande que às vezes vira um defeito meu, se encolheu e ficou do tamanho de uma azeitona.
Não era nem a hora do almoço quando eu gritei a primeira vez com o mais novo dos meninos. De tarde, cansada de manter a compostura diante das pequenas crueldades para com Syd, o gato, peguei ele do colo claustrofóbico do menino mais novo e me tranquei no quarto com ele. Granola tinha sumido, mas estava segura, eu tinha certeza. Syd não. Ele apanha dos gatos que aparecem em casa, não tem tanta disposição para correr, um de seus rins é menor que o outro, o que demanda cuidados especiais e já estava visivelmente estressado. O menino chutou a porta do meu quarto e eu gritei de dentro que ela ia quebrar (é uma porta de vidro). O menino mandava eu abrir e eu tentei ignorá-lo. Syd estava deitado na cama, olhando para a porta. O menino saiu por um segundo e voltou com uma chave, tentou abrir a porta, e sem sucesso, saiu de novo e foi buscar outras chaves enquanto exigia que eu abrisse a porta porque ele queria o gato. Eu podia ouvir o meu primo mais velho dizer que o menino era um trouxa, o quarto era meu, e eu podia fazer o que bem entendesse. Não era isso o que eu queria que o menino entendesse. Em outra tentativa frustrada de abrir a porta, falei que o gato não é um brinquedo e que ele não gosta de ser perseguido e apertado, nem de ficar a força no colo de pessoas que ele não conhece. Ou algo mais ou menos assim. Outras pessoas vieram interferir tentando convencer sem muita convicção o menino a nos deixar em paz. A mãe não estava na casa e o pai tinha voltado pra São Paulo depois de trazê-los na sexta.
Comecei a me sentir ridícula. Eu, com vinte e seis anos, brigando com um menino de sete ou oito anos, dentro da minha própria casa, por um gato. Nós dois sustentando nossas certezas: eu, protegendo como uma mãe o gato que eu amo, mas me dando o luxo infantil de descontar o meu mau-humor no mais fraco, o menino; o menino, pouco acostumado à reais frustrações, querendo o gato pra si porque o quer e quer agora, se aproveitando a ausência de figuras de autoridade para exercer autoridade ao mais fraco, o gato. Por que nós, parentes, devemos ajudar a criar as crianças se elas não nos respeitam como figuras de autoridade? A vó criou os netos e não recebe nem o direito de poder assistir o que ela quer na sua própria casa. É desrespeitada e humilhada diariamente por um moleque de oito anos. E ele é assim com todos os outros adultos (ou adultos incompletos, como é o meu ridículo caso), com exceção da mãe e do pai, porque eles tem poder de troca, troca material, e poder de punição, física.
Depois que o menino desistiu de tentar abrir a porta, fiquei trancada no quarto por algumas horas, até sentir fome. Saí, deixei Syd dormindo serenamente na cama, e fui comer qualquer coisa na cozinha. Quando voltei, fui pro quarto da minha mãe, onde a vó estava vendo o programa que ela gostava. Syd também foi para lá, trocar de cama para dormir mais. O menino entrou no quarto e pegando o gato no colo olhou pra mim e disse que aquele quarto não era meu. E nem dele, pensei. Qual a vantagem que ele estava contando? Que batalha maluca ele se via vencedor? Disse uma última vez, cansada, pra soltar o gato porque ele não queria colo. Syd tentava escapar, mas era doce demais pra arranhar quem quer que fosse. Tentei focar na TV, ignorar os ruídos, baixar o meu ki e fingir que eu não existia. Ainda tinha a festa no domingo...
Mas a estória acontece no sábado, quando havia oito pessoas na casa: eu, minha mãe, meu irmão e a namorada, minha tia e seus dois filhos, e a vó. Além dos dois gatos.
Meus gatos odeiam crianças. Elas ficam correndo atrás deles, pegando, apertando, tratando como brinquedo. Eu odeio crianças. No geral. Mas odeio principalmente meus primos, esses dois mais novos. Porque são crianças e porque eles são mau-educados, birrentos, mimados e insuportáveis. Quando eles chegaram na sexta à noite, comecei a minha tática de tentar desaparecer dentro da minha casa: me manter concentrada totalmente em uma única atividade; não falar ou falar o mínimo possível com alguém; não circular pelos cômodos enquanto alguém estivesse neles; diminuir meu ki para que mau percebessem minha presença. A tática desmoronou na manhã do sábado porque dormi muito mal e acordei de mau-humor. Minha famosa paciência, que é tão grande que às vezes vira um defeito meu, se encolheu e ficou do tamanho de uma azeitona.
Não era nem a hora do almoço quando eu gritei a primeira vez com o mais novo dos meninos. De tarde, cansada de manter a compostura diante das pequenas crueldades para com Syd, o gato, peguei ele do colo claustrofóbico do menino mais novo e me tranquei no quarto com ele. Granola tinha sumido, mas estava segura, eu tinha certeza. Syd não. Ele apanha dos gatos que aparecem em casa, não tem tanta disposição para correr, um de seus rins é menor que o outro, o que demanda cuidados especiais e já estava visivelmente estressado. O menino chutou a porta do meu quarto e eu gritei de dentro que ela ia quebrar (é uma porta de vidro). O menino mandava eu abrir e eu tentei ignorá-lo. Syd estava deitado na cama, olhando para a porta. O menino saiu por um segundo e voltou com uma chave, tentou abrir a porta, e sem sucesso, saiu de novo e foi buscar outras chaves enquanto exigia que eu abrisse a porta porque ele queria o gato. Eu podia ouvir o meu primo mais velho dizer que o menino era um trouxa, o quarto era meu, e eu podia fazer o que bem entendesse. Não era isso o que eu queria que o menino entendesse. Em outra tentativa frustrada de abrir a porta, falei que o gato não é um brinquedo e que ele não gosta de ser perseguido e apertado, nem de ficar a força no colo de pessoas que ele não conhece. Ou algo mais ou menos assim. Outras pessoas vieram interferir tentando convencer sem muita convicção o menino a nos deixar em paz. A mãe não estava na casa e o pai tinha voltado pra São Paulo depois de trazê-los na sexta.
Comecei a me sentir ridícula. Eu, com vinte e seis anos, brigando com um menino de sete ou oito anos, dentro da minha própria casa, por um gato. Nós dois sustentando nossas certezas: eu, protegendo como uma mãe o gato que eu amo, mas me dando o luxo infantil de descontar o meu mau-humor no mais fraco, o menino; o menino, pouco acostumado à reais frustrações, querendo o gato pra si porque o quer e quer agora, se aproveitando a ausência de figuras de autoridade para exercer autoridade ao mais fraco, o gato. Por que nós, parentes, devemos ajudar a criar as crianças se elas não nos respeitam como figuras de autoridade? A vó criou os netos e não recebe nem o direito de poder assistir o que ela quer na sua própria casa. É desrespeitada e humilhada diariamente por um moleque de oito anos. E ele é assim com todos os outros adultos (ou adultos incompletos, como é o meu ridículo caso), com exceção da mãe e do pai, porque eles tem poder de troca, troca material, e poder de punição, física.
Depois que o menino desistiu de tentar abrir a porta, fiquei trancada no quarto por algumas horas, até sentir fome. Saí, deixei Syd dormindo serenamente na cama, e fui comer qualquer coisa na cozinha. Quando voltei, fui pro quarto da minha mãe, onde a vó estava vendo o programa que ela gostava. Syd também foi para lá, trocar de cama para dormir mais. O menino entrou no quarto e pegando o gato no colo olhou pra mim e disse que aquele quarto não era meu. E nem dele, pensei. Qual a vantagem que ele estava contando? Que batalha maluca ele se via vencedor? Disse uma última vez, cansada, pra soltar o gato porque ele não queria colo. Syd tentava escapar, mas era doce demais pra arranhar quem quer que fosse. Tentei focar na TV, ignorar os ruídos, baixar o meu ki e fingir que eu não existia. Ainda tinha a festa no domingo...